domingo, 23 de novembro de 2008

As sete pragas do Egito do nosso futebol

Sou leitor diário do blog do jornalista Juca Kfouri, um crítico de texto excelente e sempre atento, oferecendo algo mais para ler de algum colaborador do mesmo nível. Como a postagem que segue, uma boa análise das mazelas do nosso esporte, especialmente do futebol.

Por WILSON MERLO PÓSNIK

Ementa Um: como todo cristão deve ter ouvido falar, as ‘Pragas do Egito’ (segundo alguns, teriam sido sete, para outros dez), seriam uma série de flagelos, segundo a Bíblia, enviados por Deus sobre aquele País para obrigar o faraó a deixar partir os hebreus: (1) a água do Nilo, transformada em sangue, (2) invasão de rãs, mosquitos e moscas, (3) peste dos animais, (4) úlceras, no corpo das pessoas, (5) chuva de pedras, (6) invasão de gafanhotos, após a ação da chuva de pedras, (7) trevas sobre o País e (8) a morte dos primogênitos de todas as famílias egípcias.

Ementa Dois: como todo brasileiro é um técnico ou mesmo, profundo conhecedor do que a pompa dos locutores de rádio de outros tempos chamava de ‘esporte bretão’, deixo a critério de cada um dos leitores deste libelo, a definição da ordem decrescente de sua importância, a substituição de algumas, ou mesmo a complementação da lista. Afinal, sete ou dez ‘pragas’ podem ser pouco !

(01) A praga da péssima organização interna dos nossos clubes e demais instituições envolvidas, com baixíssimos índices de profissionalização; em se tratando de um aparato para gerar um produto importante na nossa sociedade – o futebol profissional. Embora não se trate de um carrinho de pipoca ou boteco, a informalidade das transações vai da incompetência à malversação de recursos, estes sempre expressivos;

(02) A praga da perpetuação dos dirigentes, do tipo capitanias hereditárias - viciosa e antidemocrática: na Confederação, nas federações, ligas e clubes; neste caso, à semelhança da célebre expressão de Lampedusa: mudar, para que nada mude. Neste caso, nada deve mudar, para que tudo fique como está, no reino da Dinamarca, digo CBF !

(03) A praga da formação precária dos nossos técnicos; na sua grande maioria, tocam de ouvido, ou seja, foram formados na tradição oral e na experiência prática - estão portanto, ainda na pré-história. Muitos são quase que incapazes de exprimir suas idéias. Chamados de professores, mal conseguem articular discurso razoável – que ajudará a formação das entrevistas do atletas. Só para citar um exemplo: acompanhar, comparar e avaliar um jogo como Batatais X Pão de Açúcar (Série B Paulista) - daqueles que passam inadverditamente e em horários exóticos na 'Rede Vida', com outro jogo qualquer do Brasileiro - Série A, fica evidente as diferenças na qualidade individual dos jogadores, mas é extremamente difícil encontrar diferenças táticas significativas. Será que o Maradona tinha razão ao afirmar, quando assumiu recentemente a Seleção Argentina, que não havia mais nada a inventar no futebol ? Ou continuamos prisioneiros, nós e eles argentinos, de um mesmo ciclo permanente, de um sem número de talentos individuais e da estagnação, da modorra na organização do jogo ? Aliás, nunca vimos tanta penalidade máxima perdida, escanteios mal cobrados, bicos de zagueiros para qualquer lado etc. A propósito: jogar pelos lados geralmente, só faz parte do discurso ! Com a palavra, ‘São Telê’ !

(04) A praga da omissão do estado nas atividades de lazer (esporte, cultura e turismo); falta de ampliação do acesso ao lazer e aos esportes nas comunidades, escolas e entes associativos da periferia; o lazer orientado previniria quase tudo nestes lugares providos de quase nada !

(05) A praga das torcidas organizadas, como integrantes de uma dialética política perversa, no nosso futebol; estimuladas por dirigentes oportunistas, cumprem um papel de ocupar os estádios vazios, de forma a mascarar a péssima qualidade, muito comum nestes espetáculos. Seus deslocamentos com hordas, a caminho ou à volta dos estádios, mesmo que tangidos preventivamente pela polícia, provocam muitas vezes, conflitos com outras torcidas, depredações de imóveis, veículos, ônibus etc. sempre acobertados pelo manto da impunidade;

(06) A praga da mídia esportiva, tal qual os demais entes envolvidos no esporte, com um número considerável de profissionais sem formação sólida e em muitos casos, a serviço de perversões no nosso sistema esportivo: promove, destaca ou privilegia, como toda a mídia comercial, os negócios e o lado grotesco do espetáculo. Parece que o lado ruim sempre vende mais e melhor ! A dialética entre comerciais X programa passa a ser balanceada, de modo que se faça um bom contraponto, entre os devaneios consumistas do público e a triste realidade que parece ser o nosso dia-a-dia, vista por estes olhares ! Quanto pior for o quadro, melhor o recall dos reclames !

(07) A praga dos empresários esportivos que acompanham os atletas, desde que os mesmos largam as fraldas e se acham mentores da sua formação e desenvolvimento – numa espécie de escravidão branca, muitas vezes, com a participação ativa de pais ou responsáveis ! Por que será que os Conselhos Tutelares e órgãos afins, não intervêm neste assunto ? Afinal de contas, isto é tão perverso quando a pedofilia;

(08) A praga da multiplicação dos técnicos-empresários – misturam tarefas eticamente incompatíveis; assediam, participam daqui e d’acolá, colocam em jogo seus favoritos ou os dos seus amigos, recomendam promessas ou bondes – qualquer coisa por qualquer trinta dinheiros !

(09) A praga das transações econômicas encobertas e obscuras, que vão desde a participação de grandes mafiosos de algumas nacionalidades, a bicheiros e outros espécimes de contraventores, além dos clubes laranjas; falta uma definição clara e objetiva de regras nacionais e internacionais entre os entes do futebol profissional, desde as suas bases de formação, até as questões de previdência e assistência a atletas;

(10) A praga do baixo nível de escolarização dos nossos jogadores, desde as categorias de base - geralmente oriundos de segmentos da sociedade, com pouco acesso aos processos de educação formal e regular; o processo de profissionalização não poderia estar dissociado da educação básica – assinou o primeiro contrato, deveria ter garantida a escolarização;

(11) A praga do mau uso do esporte pelos políticos, como objeto de manobras ou plataformas para discursos demagógicos e eleitoreiros, envolvendo clubes e seus aficionados, federações, ligas etc. na sua ânsia de assumir, por todos os meios disponíveis, posições de poder formal; como que a sinalizar que eles próprios mobilizariam os recursos do estado, na solução dos problemas da área. Na verdade, o que se espera deles é o exercício de sua liderança junto ao segmento que vierem a representar, para que este, engajado a outros com os mesmos interesses, ajude a formular e concretizar essas soluções. Afinal, lazer sempre foi questão de iniciativa da sociedade (e não do estado) e cabe àquela se organizar melhor, para indicar ao estado, os caminhos a serem seguidos - as tais políticas públicas republicanas !

Um comentário:

  1. Caro Mário: Sou o autor das 'Sete Pragas ...'. Grato por repercutí-las. Postei este texto originalmente, no meu Blog (Blog do Pósnik - no UOL). Em geral, trato de políticas públicas da cultura, depois de trabalhar 42 anos no setor público - os 12 últimos (até julho de 2006), na área da Cultura do Paraná. Os temas de lazer, com objeto de ação do estado, (Cultura, Esporte e Turismo) são muito próximos - com problemas similares. Como gosto de futebol, sou curitibano nato e torcedor do Coxa, resolvi enveredar por esta senda. E remeti-o ao Juca e ao Senador Álvaro Dias (CPI da CBF), por serem pessoas interessadas no assunto e ainda porque conheço O Álvaro pessoalmente. É a minha contribuição. Acho que mudanças só ocorrem, após tomada de consciência, pela sociedade. Abraço. Wposnik.

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